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Podemos Alcançar a Certeza? Uma Perspectiva Filosófica

Um jovem estudante em uma posição reflexiva.

Podemos Alcançar a Certeza? Uma Perspectiva Filosófica

Introdução

A busca pela certeza é uma das questões centrais da filosofia desde seus primórdios. 

Os filósofos sempre se perguntaram se é possível alcançar um conhecimento absoluto e inquestionável. 

Esta busca atravessa a epistemologia, a metafísica e a ética, influenciando significativamente o desenvolvimento do pensamento humano. 

Descartes, com seu "Cogito, ergo sum" ("Penso, logo existo"), tentou estabelecer uma base sólida para o conhecimento. 

No entanto, a questão permanece: podemos realmente alcançar a certeza?

Desenvolvimento

René Descartes é frequentemente lembrado por sua abordagem radical ao ceticismo. 

Ele propôs que devemos duvidar de tudo que pode ser duvidado até encontrar uma verdade inquestionável. 

"Eu penso, logo existo" foi sua conclusão, a primeira certeza inabalável na sua filosofia. 

Descartes argumentou que a existência do eu pensante é indubitável, pois, mesmo se estivermos enganados em todas as outras crenças, o ato de duvidar prova a existência do pensador.

Immanuel Kant introduziu uma perspectiva diferente sobre a certeza. 

Em sua "Crítica da Razão Pura", ele sugere que nossa compreensão do mundo é mediada por categorias mentais inatas. 

Kant afirmou que "os pensamentos sem conteúdo são vazios; as intuições sem conceitos são cegas", indicando que a certeza está condicionada pelas estruturas da mente humana. 

Para Kant, não podemos conhecer o "númeno" (a coisa em si), mas apenas o "fenômeno" (a coisa como aparece para nós).

No empirismo, John Locke argumentou que todo o conhecimento deriva da experiência sensorial. 

Em "Ensaio sobre o Entendimento Humano", Locke afirmou: "A mente é como uma tábua rasa, vazia de todas as características, sem quaisquer ideias". 

Ele sugeriu que a certeza vem da acumulação de experiências e da reflexão sobre elas. 

Para Locke, a certeza absoluta é inatingível porque nossas percepções são sempre sujeitas a erro e ilusão.

David Hume levou o ceticismo empírico ainda mais longe. Ele argumentou que a causalidade, uma das bases da ciência, não pode ser conhecida com certeza. 

Em "Investigação sobre o Entendimento Humano", Hume escreveu: "Nada há no mundo, de maneira a nos autorizar a dizer que a causa deva ser seguida do efeito". 

Segundo ele, nossas expectativas de causa e efeito são baseadas no hábito e na experiência, não em uma certeza racional.

Friedrich Nietzsche desafiou a possibilidade de certeza absoluta, argumentando que todas as verdades são interpretações. 

Em "Além do Bem e do Mal", ele afirmou: "Não existem fatos eternos, como não existem verdades absolutas". 

Para Nietzsche, a busca pela certeza é uma expressão de fraqueza, um desejo de segurança em um mundo inerentemente caótico e incerto. 

Ele propôs que devemos abraçar a incerteza e criar nossos próprios significados.

No século XX, Ludwig Wittgenstein influenciou significativamente o debate sobre a certeza. 

Em suas "Investigações Filosóficas", ele sugeriu que a certeza é uma questão de como usamos a linguagem. 

"Os limites da minha linguagem significam os limites do meu mundo", escreveu Wittgenstein. 

Para ele, a certeza não é algo que se encontra no mundo, mas algo que se estabelece dentro de um jogo de linguagem compartilhado.

Edmund Husserl, fundador da fenomenologia, buscou uma base para a certeza na descrição rigorosa da experiência consciente. 

Em "Meditações Cartesianas", Husserl argumentou que a consciência intencional fornece uma base para a certeza, pois estamos sempre conscientes de algo. 

Ele sugeriu que, através da redução fenomenológica, podemos alcançar uma certeza sobre os conteúdos da consciência, embora não necessariamente sobre o mundo exterior.

Martin Heidegger, um aluno de Husserl, trouxe uma nova perspectiva ao debate. 

Em "Ser e Tempo", ele argumentou que a certeza deve ser entendida em termos existenciais. Heidegger afirmou: "A questão do ser é a mais fundamental de todas". 

Ele propôs que a certeza não é uma questão de conhecimento, mas de autenticidade no modo como vivemos nossas vidas.

O pragmatismo, representado por filósofos como William James e John Dewey, propõe que a certeza deve ser avaliada em termos de utilidade prática. 

James, em "Pragmatismo", afirmou: "A verdade é o que funciona". Para os pragmatistas, a certeza é uma questão de crenças que demonstram ser úteis e eficazes na prática. 

A certeza absoluta é irrelevante se não tiver valor prático.

No contexto contemporâneo, a teoria do conhecimento de Karl Popper argumenta contra a certeza absoluta na ciência. 

Em "A Lógica da Descoberta Científica", Popper propôs que a ciência avança por conjecturas e refutações, não por certezas. 

Ele escreveu: "O critério da atitude científica é a falsificabilidade". Para Popper, a certeza científica é sempre provisória e sujeita a revisão diante de novas evidências.

Thomas Kuhn, em "A Estrutura das Revoluções Científicas", argumentou que a certeza na ciência é uma construção social dentro de paradigmas que podem mudar radicalmente. 

Kuhn afirmou: "A ciência normal não tende à verdade, mas à resolução de enigmas". 

Para Kuhn, a certeza é relativa aos paradigmas científicos vigentes, que são suplantados por revoluções científicas.

Richard Rorty, influenciado pelo pragmatismo e pela filosofia continental, argumentou que a busca pela certeza é uma ilusão. 

Em "Filosofia e o Espelho da Natureza", Rorty afirmou: "Não há uma natureza essencial das coisas para ser descoberta pela filosofia". 

Ele sugeriu que a filosofia deve abandonar a busca pela certeza em favor de uma conversa contínua e criativa sobre diferentes perspectivas.

As neurociências contemporâneas também desafiam a ideia de certeza. 

Estudos sobre a mente e o cérebro sugerem que nossas percepções e crenças são moldadas por complexos processos neurais e influências culturais. 

Daniel Dennett, em "A Perigosa Ideia de Darwin", argumenta que a mente humana é um produto da evolução, com limitações inerentes. 

Ele afirmou: "Nosso cérebro evoluiu para sobreviver, não para alcançar a verdade".

Conclusão

A busca pela certeza é um tema central e persistente na filosofia, refletindo nossa necessidade de compreender e navegar o mundo de maneira confiável. 

Embora diferentes escolas de pensamento ofereçam variadas perspectivas sobre a possibilidade de alcançar a certeza, é evidente que a questão permanece aberta e multifacetada. 

Desde as certezas provisórias da ciência até as verdades pragmáticas e existenciais, a filosofia nos ensina que, talvez, a própria busca pela certeza seja mais importante do que a certeza em si. 

A reflexão filosófica contínua nos desafia a questionar nossas crenças, abraçar a incerteza e buscar um entendimento mais profundo e significativo de nossa existência.

Referências

  1. Descartes, R. "Meditações Metafísicas"
  2. Kant, I. "Crítica da Razão Pura"
  3. Locke, J. "Ensaio sobre o Entendimento Humano"
  4. Hume, D. "Investigação sobre o Entendimento Humano"
  5. Nietzsche, F. "Além do Bem e do Mal"
  6. Wittgenstein, L. "Investigações Filosóficas"
  7. Husserl, E. "Meditações Cartesianas"
  8. Heidegger, M. "Ser e Tempo"
  9. James, W. "Pragmatismo"
  10. Dewey, J. "A Busca pela Certeza"
  11. Popper, K. "A Lógica da Descoberta Científica"
  12. Kuhn, T. "A Estrutura das Revoluções Científicas"
  13. Rorty, R. "Filosofia e o Espelho da Natureza"
  14. Dennett, D. "A Perigosa Ideia de Darwin"
  15. Baggini, J. "The Edge of Reason: A Rational Skeptic in an Irrational World"

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