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As Cinco Vias de Tomás de Aquino

Foto de São Tomás de Aquino
Flickr

Introdução

Tomás de Aquino, um dos mais proeminentes pensadores da Idade Média, é conhecido por suas contribuições significativas não apenas à teologia cristã, mas também à filosofia. 

Entre suas obras mais influentes, destacam-se as "Cinco Vias" (Quinque Viae), argumentos que visam demonstrar a existência de Deus através da razão e da observação do mundo natural. 

Estas vias constituem um esforço para estabelecer a base racional para a crença em um Ser Supremo, indo além da revelação religiosa. 

Este artigo explora cada uma das cinco vias de Aquino em detalhes, examinando seus fundamentos, argumentos e implicações filosóficas.

Via do Movimento

A primeira via de Aquino, conhecida como a via do movimento (motus), parte da observação empírica de que tudo no mundo físico está em constante movimento e mudança. 

Aquino argumenta que o movimento é uma realidade universal que requer uma explicação. 

Ele observa que "não se encontra nenhum ser em movimento sem que seja induzido a isso por outro ser" (Summa Theologica, I, q. 2, a. 3). 

Essa observação o leva à conclusão de que há uma cadeia de causas e efeitos no movimento, mas que essa cadeia não pode ser infinita. 

Deve haver, portanto, um Primeiro Motor Imóvel, um ser não movido por nenhum outro, que iniciou toda a série de movimentos no universo.

Aquino desenvolve seu argumento ao distinguir entre movimento como um ato de potência que requer uma causa atual para sua existência. 

Ele argumenta que apenas um Primeiro Motor Imóvel pode iniciar esse movimento sem ele próprio ser movido por outro, estabelecendo assim a necessidade de um Ser necessário e eterno que seja a causa primeira de toda mudança e movimento.

Via da Causa Eficiente

A segunda via de Aquino, a via da causa eficiente (causa efficientis), parte da observação de que tudo o que existe no mundo tem uma causa eficiente, ou seja, algo que o trouxe à existência. 

Ele argumenta que "não se encontra, em nenhuma das coisas que são feitas, causa eficiente que não seja mais poderosa do que elas mesmas" (Summa Theologica, I, q. 2, a. 3). 

Se seguirmos essa cadeia de causas eficientes retrocedendo infinitamente, não teríamos uma causa inicial, o que seria ilógico. 

Portanto, deve haver uma Primeira Causa, que é a causa não causada de todas as outras coisas.

Aquino não se contenta em simplesmente afirmar a existência de uma Primeira Causa, mas argumenta que essa causa deve possuir atributos específicos, como a necessidade de existência (ens necessarium). 

Ele postula que somente um Ser cuja existência é necessária pode ser a fonte de todas as coisas contingentes que encontramos no mundo.

Via da Contingência e Necessidade

A terceira via de Aquino, a via da contingência e necessidade (possibilitatis et necessitatis), foca na distinção entre seres contingentes e necessários. 

No mundo, encontramos seres que existem, mas que poderiam não existir (seres contingentes), e outros que existem necessariamente (seres necessários). 

Aquino argumenta que "não é possível que todas as coisas sejam contingentes" (Summa Theologica, I, q. 2, a. 3). 

Se todos os seres fossem contingentes, então em algum momento no passado não haveria nada, pois algo que é contingente depende de uma causa externa para sua existência.

Para Aquino, isso levaria a um absurdo lógico, pois algo que não existia não poderia trazer a existência a si mesmo. 

Portanto, deve haver um Ser Necessário cuja existência não depende de nada além de si mesmo e que seja a causa de todos os seres contingentes. 

Este Ser Necessário é o fundamento último da existência e a fonte de todo ser finito e contingente.

Via dos Graus de Perfeição

A quarta via de Aquino, a via dos graus de perfeição (graduum perfectionis), baseia-se na observação das variações de perfeição e qualidade no mundo. 

Ele nota que há graus de grandeza, bondade e outras qualidades nas coisas observáveis. 

Aquino argumenta que "a existência de gradações pressupõe a existência de algo que seja o máximo em grau" (Summa Theologica, I, q. 2, a. 3). 

Por exemplo, algo é mais quente, mais bom ou mais perfeito do que outro, implicando a existência de um padrão máximo de perfeição.

Aquino conclui que deve haver um Ser que possua todas as perfeições em grau máximo, sendo a causa e o padrão para todas as outras perfeições encontradas no universo. 

Esse Ser é o máximo de ser, existindo em um estado de plenitude absoluta que define a medida última de excelência em todas as coisas.

Via do Governo do Mundo

A quinta via de Aquino, a via do governo do mundo (ordo rerum), foca na ordem e no propósito observados no universo. 

Ele observa que há uma ordem natural, uma finalidade e um propósito nos seres naturais que não podem ser explicados apenas pela casualidade ou pelo acaso. 

Aquino argumenta que "não se encontraria ordem alguma entre as coisas, a menos que fosse planejada por um ser inteligente e capaz de direcionar" (Summa Theologica, I, q. 2, a. 3).

Ao considerar a complexidade e a harmonia do cosmos, Aquino conclui que deve existir um Ser Inteligente e Final que não apenas ordena e guia todas as coisas para seus fins, mas também é a fonte última de toda a ordem observável no universo. 

Esse Ser é a causa final de toda a criação e a fonte da racionalidade que permeia a ordem natural.

Discussão e Relevância Contemporânea

As cinco vias de Tomás de Aquino não são apenas um exercício acadêmico do pensamento medieval, mas continuam a ser uma referência significativa na filosofia da religião e na teologia cristã. 

Elas abordam questões fundamentais sobre a natureza da existência, o propósito do cosmos e a relação entre a razão e a fé. 

Ao utilizar a lógica e a observação empírica, Aquino busca estabelecer a existência de Deus como uma conclusão racional derivada da estrutura e da ordem do mundo.

Esses argumentos têm sido objeto de debate ao longo dos séculos, influenciando tanto defensores quanto críticos. 

Filósofos e teólogos contemporâneos continuam a explorar e desenvolver essas ideias, aplicando-as a novos contextos e desafios intelectuais. 

A abordagem de Aquino oferece uma estrutura coerente para aqueles que procuram reconciliar fé e razão, demonstrando que a crença em Deus não é apenas uma questão de fé cega, mas também pode ser fundamentada em um raciocínio cuidadoso e reflexão filosófica.

Conclusão

Tomás de Aquino, através das suas cinco vias, oferece uma abordagem sistemática e profunda para a questão da existência de Deus. 

Suas argumentações partem da observação do mundo natural e da aplicação da razão para estabelecer a necessidade de um Ser Supremo que seja a causa primeira de todas as coisas. 

A complexidade e a abrangência desses argumentos refletem não apenas a genialidade intelectual de Aquino, mas também sua preocupação em integrar a fé cristã com a razão filosófica.

As cinco vias de Aquino continuam a desafiar e inspirar estudiosos e pensadores, oferecendo uma estrutura robusta para aqueles que buscam compreender o papel de Deus na ordem cósmica e na experiência humana.

Ao examinar profundamente cada via, somos convidados não apenas a considerar as implicações teológicas, mas também a refletir sobre as questões mais fundamentais da existência e do significado último da vida.

Referências

  1. Aquino, Tomás de. "Summa Theologica".
  2. Davies, Brian. "An Introduction to the Philosophy of Religion".
  3. Feser, Edward. "Aquinas: A Beginner's Guide".
  4. Kenny, Anthony. "Aquinas on Being".
  5. Pegis, Anton C. "Introduction to Saint Thomas Aquinas".

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